13 dezembro 2010

estar sendo, ter sido

poemas de Vittorio com máscara de Luis Bruma, que foi Apolonio, pai de Hillé



I

apaga-te.
o rio não está diante de ti
como imaginas.
há apenas o fosso
e a mesa inundada de papéis:
conjeturas lassas
sobre a aspereza das palavras.

o rio não está diante de ti
está além. viaja.


II

finas farpas, vastas redes
por que te fazes ausente, loucura
há tantos meses
e dás lugar à torpe lucidez
ao nojo do existir
e do me ver morrer?
por que me atiras
à desordem de ser
e à futilidade do mover-se?
carpas crispadas
na toçura das redes.

por que te ausentas, amada
se estou atado, permissivo e luzente
ao corpo do teu corpo que é o lago?


III

tranca-me. teus ares de luta
têm o corpo dos pátios devastados
esses que se sonharam cordas
e por que não cadeados de volúpia?

deita-te.
laça-me os pés. beija-me os passos
para o cárcere da minha volta.
sonha navios. ocasos.
sonha-me trancado. teu.


IV

hás de viver um tempo, morte minha
como se fosse o tempo do viver.
e carantonhas, fogos-fátuos, foices
hão de reverdecer em azul e ocre
e banhado de luz volto a nascer.

hás de viver um tempo, morte minha
como se fosses noite apenas
e haverá pássaros do dia
e nunca mais e nunca mais coiotes.

e nunca mais o sangue em nossos corpos
só luz, entropia, e o riso deslavado
de não ser.


V

Aquiesce. vem ver o barco.
toca as velas de seda
e o opalino do casco:
o asco do adentrar-se na vertigem
essa, onde navegas.

toca teus verdes, esses
que parecem amanhecer
e à noite são memórias
descompasso, perdas.

vem ver o barco
carregoso de sombras de teus atos
vem ver o barco partir para morrer.
aquiesce. vem te ver.

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