21 dezembro 2010

em lugar de uma carta


fumo de tabaco rói o ar
o quarto -
um capítulo do inferno de krutchônikh
recorda -
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
hoje te sentas,
no coração - aço.
um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
no teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
de qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
e não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa





26 de maio de 1916, Petrogrado
maiakóvski

( tradução de augusto de campos )

Um comentário:

Renata disse...

poema lido com muito amor na mourada do sol.