26 dezembro 2010

dentro de mim onde não existo mais

21 dezembro 2010

em lugar de uma carta


fumo de tabaco rói o ar
o quarto -
um capítulo do inferno de krutchônikh
recorda -
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
hoje te sentas,
no coração - aço.
um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
no teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
de qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
e não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa





26 de maio de 1916, Petrogrado
maiakóvski

( tradução de augusto de campos )

13 dezembro 2010

estar sendo, ter sido

poemas de Vittorio com máscara de Luis Bruma, que foi Apolonio, pai de Hillé



I

apaga-te.
o rio não está diante de ti
como imaginas.
há apenas o fosso
e a mesa inundada de papéis:
conjeturas lassas
sobre a aspereza das palavras.

o rio não está diante de ti
está além. viaja.


II

finas farpas, vastas redes
por que te fazes ausente, loucura
há tantos meses
e dás lugar à torpe lucidez
ao nojo do existir
e do me ver morrer?
por que me atiras
à desordem de ser
e à futilidade do mover-se?
carpas crispadas
na toçura das redes.

por que te ausentas, amada
se estou atado, permissivo e luzente
ao corpo do teu corpo que é o lago?


III

tranca-me. teus ares de luta
têm o corpo dos pátios devastados
esses que se sonharam cordas
e por que não cadeados de volúpia?

deita-te.
laça-me os pés. beija-me os passos
para o cárcere da minha volta.
sonha navios. ocasos.
sonha-me trancado. teu.


IV

hás de viver um tempo, morte minha
como se fosse o tempo do viver.
e carantonhas, fogos-fátuos, foices
hão de reverdecer em azul e ocre
e banhado de luz volto a nascer.

hás de viver um tempo, morte minha
como se fosses noite apenas
e haverá pássaros do dia
e nunca mais e nunca mais coiotes.

e nunca mais o sangue em nossos corpos
só luz, entropia, e o riso deslavado
de não ser.


V

Aquiesce. vem ver o barco.
toca as velas de seda
e o opalino do casco:
o asco do adentrar-se na vertigem
essa, onde navegas.

toca teus verdes, esses
que parecem amanhecer
e à noite são memórias
descompasso, perdas.

vem ver o barco
carregoso de sombras de teus atos
vem ver o barco partir para morrer.
aquiesce. vem te ver.